domingo, 3 de fevereiro de 2008

Pedras Vivas que Falam...




PEDRAS VIVAS QUE FALAM…

Conta-se por aí, que numa manhã agradável e ensolarada, uma criança, visita do escultor António Nogueira, entrou no seu atelier e viu um enorme bloco de pedra. E que ao regressar ali, três meses depois, encontrou no seu lugar, uma preciosa estátua com 3,20 metros de altura, representando a figura do “Arrozeiro” típico da Carapinheira e dos campos mondeguinos dos finais do século XIX, com chapéu de aba larga, camisa franzida, calças arregaçadas e pés descalços. Voltando-se para o escultor, o garoto, perguntou-lhe : “…E como é que sabia que dentro daquela pedra muito grande estava escondido, o Homem dos Campos do Mondego?”

A inocente pergunta da criança, caros leitores, era bastante mais que uma graça infantil. Porque a verdade é que o Homem dos Campos do Mondego, estava na realidade, desde tempos imemoriais, já dentro daquela pedra enorme. E a excelente capacidade artística e visionária do nosso concidadão escultor, António Nogueira, consistiu precisamente nisso : saber e conseguir observar o dito Homem dos Campos, dentro do pedregulho enorme e ir tirando tudo o que estava a mais, aperfeiçoando os traços singulares desta figura simples e ímpar, até à minúcia, com muita arte, com engenho e com extremosa dedicação e enlevo. O nosso escultor, não trabalhou juntando pedaços do Homem dos Campos ao bloco de pedra, mas isso sim, removendo da pedra tudo o que o impedia de ver o seu modelo ideal e típico do Homem dos Campos do Mondego, determinado, lançando com honradez, as sementes à terra mãe, com a sua mão direita, enquanto que a tiracolo enfiado no ombro esquerdo envergava o velho sementeiro, usando chapéu de aba larga e calças arregaçadas…Tudo isto, estava afinal no interior do pedregulho.

O artista escultor, António Nogueira, que vive e honradamente labuta na Lavariz, soube ver dentro do enorme bloco de pedra, o que mais ninguém viu. Esta foi a sua grande arte. Deu vida e mensagem perene à pedra. Uma vez esculpida, tornou-se uma pedra viva, hospitaleira, elegante e respeitável. Transformou, dignificou e alindou, a Lavariz, tal qual ela há muito merecia. A Câmara Municipal na pessoa do sr. Presidente, deve ser felicitada. Bem como todos, os que colaboraram. É com obras significativas e credoras da admiração de todos e não só com palavras que se faz história no bom sentido. E o Dr. Luís Leal enquanto Presidente da Câmara, fez mais uma página de boa História no concelho de Montemor-o-Velho.

Outrora, enquanto a crise e as dificuldades grassavam nos campos do Mondego e os de cá demandavam para a Borda d’ Água e regiões circunvizinhas ao leito do rio Tejo, à procura de trabalho e sustento, sempre as gentes Montemorenses grangearam da melhor fama de dedicados trabalhadores agrícolas, e outros até chegaram a capatazes e a funções de chefia em quintas da região; contudo gente houve, que se dedicou numa profissão, que fez jus e fama por toda a Borda d’ Água: “ Os Valadores da Carapinheira “, que eram disputados e os preferidos por serem efectivamente os melhores na sua arte de valar. Eram mesmo os melhor pagos. Também à figura típica e valorosa do Valador, presto a minha homenagem sentida e simbólica. Algo deverá também ser feito para perpetuar na memória de toda a comunidade e dos nossos vindouros, a figura do Valador da Carapinheira e do Mondego.

Mas voltando à estátua da realidade e à criança do meu sonho, lembrei-me de tudo isto ao pensar na educação dos homens: acontece algo muito parecido. Pensastes alguma vez que a palavra “educar”, vem do latim “edúcere”, que significa precisamente, tirar de dentro? Pensastes que a genialidade do educador não consiste em adicionar á criança as coisas que lhe faltam, mas sim em explorar e descobrir o que está dentro de si?

Entendo que muitos pais, comigo incluído e educadores estão redondamente enganados quando ambicionam ter os seus filhos à sua semelhança, quer seja educativa, social, formativa, etc. O filho, a criança deve ser antes de tudo, fiel a si mesma. O que deve fazer não é imitar o que o vizinho fez, por feito mais brilhante que seja. Deve realizar-se a si próprio e na sua plenitude. Tem de tirar dentro de si própria, a pessoa que já é, como do bloco de pedra sai a estátua do homem dos campos do Mondego.

Ser homem não é copiar nada de fora, nem ir juntando virtudes que são magníficas, mas são de outros. O educador e os pais não devem trabalhar como um pintor, juntando cores ou formas. Devem trabalhar como um escultor, como tão bem o fez o nosso concidadão António Nogueira : tirando todos os pedaços informes do bloco da vida e que impedem de mostrar a sua alma inteira tal como ela é.

Os jovens terão as suas razões quando se insurgem com aqueles que lhes tentam impor os seus modelos exteriores , contudo perdem-na quando se entregam, não ao melhor de si próprios, mas à preguiça e ao deixa andar e não te rales, que é precisamente o pedaço do “bloco de pedra”, que os impede de mostrar o melhor de si mesmos.

Tem arte, tem saber de gente boa e até faz as pedras falar, quem quer e sabe ver a escultura maravilhosa que cada um tem, tapada talvez de toneladas de vulgaridades e até, porque não de algumas mediocridades.

Esculpir e retirar esses bocados vulgares e claramente a mais, à força suave, calculada e artística de marteladas é a verdadeira obra do génio criador.

Barqueiro do Mondego

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